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sexta-feira, abril 26, 2013

Declive


Descontrole-se por um instante;
O ínfimo suspiro da eternidade;
Um trajeto cruel e inconstante;
O grito de desespero da vaidade.
Percorra calado, o declive.
De olhos fechados, inclusive.

Não seria este, o momento?
Aquele pelo qual tanto espera.
Pois então corra, como o vento.
O que à sua bela ideia dilacera
é simplesmente o seu medo.
Desça enquanto ainda é cedo.

Mas como assim você não pode?
Será algum rastro de pudor?
Logo será por demais tarde.
Anda! Desperte desse torpor.
Ou será isso afinal. O que aguarda?
Terminar feito gado de engorda?

Rá! Agora tudo soa mais claro.
O que falta desta vez? Uma carruagem?
Veja como mais pareces um escarro
em plena adoração da própria imagem.
Diante do caminho sempre percorrido
minha presença causa-lhe alarido.

Fuja já, criatura desesperada.
Desça até o fundo, o seu declive.
O destino de sua estúpida jornada
é a morte de tudo o que ainda vive.
Mas é claro que isso não importa.
"Temos diversão à nossa porta".

quarta-feira, janeiro 16, 2013

Ciclo IV - O Visitante

"Seja bem vinda, alma nova!
 Trazes o semblante carregado.
 Vejo que algum male lhe estorva.
 Diga-me. Por que estás assustado?

 Mas não, não me responda ainda.
 Mil perdões, meu companheiro.
 Como, no ato de sua vinda,
 nem pareço cavalheiro...

 Sente-se, faça-nos o favor.
 Sente-se e ouça o que eu digo.
 Ouça meus cantos, de alegria e dor.
 Depois cante-me os seus, bravo amigo.

'Houve já um tempo, e isso, já há muito;
 Mas se recordo, juro, ainda o sinto.
 Era dentre os homens o mais justo
 e isso, até, sem muito custo.

 Com destreza, aprendi a arte:
 Observar e julgar tudo, à parte.
 Mas veja só: da arte surge meu male;
 De sorte que este só, a muitos equivale.

 Aos poucos, de tudo o mais eu me afastava.
 Das coisas da vida, e tudo o que amava.
 E isso, até, sem sequer me dar conta.
 É o preço de quem aqui se levanta.

 Passado algum tempo desse começo,
 me dei conta desse expressivo preço.
 Foi quando tomou-me tão grande angústia;
 Imperando em minha alma todo tipo de apatia.

 Vagava cabisbaixo, totalmente desolado.
 Trazia ainda menos gente ao meu lado.
 Carregava em mim tamanha tristeza
 que demorei a ver com clareza.

 Mas eis que, acredite ou não,
 esta epifania tomou-me o coração:
 E se também essa tristeza faz parte
 e com ela, fica completa a minha arte?

 Foi quando me dei conta do que eu sou.
 Mude a arte e algo em mim já mudou!
 É ela, afinal, quem me define.
 Talvez a isso você se atine.

 Doravante, sigo ainda mais firme.
 Não há mais na dor, o que me deprime.
 E aqui estou, agora, de coragem renovada.
 Preparado para encarar orgulhoso a jornada.'

 Eis aqui, amigo, a minha amarga história.
 Suponho que você já retomou o fôlego.
 Conte-me sobre sua vida inglória.
 Quero compreender-lhe o âmago."


"Agradeço-lhe a compreensão.
 Sinto que és uma alma confiável:
 Apresenta-se a mim como um bom irmão
 aqui, onde tudo me soa tão desagradável.

 Peço perdão por lhe copiar os modos;
 Mas eu não procederia diferente.
 Defronte a todos meus medos,
 exponho-lhe minha mente:

'Ainda não há muito tempo
 desde que eu fora contente.
 Mas hoje, se olho mais atento;
 Ah! Como eu invejo toda essa gente.

 Vestia sempre a máscara do sábio.
 E como gostava de interpretar.
 Disso, embora pareça dúbio,
 eu sempre estive a par.

 Tomado por autoconfiança
 ousei-me a ir além da imagem.
 E embora nesta não houvesse mudança,
 meu íntimo encheu-se de terrível vertigem.

 Se soubesse de antemão, talvez o evitasse;
 Mas aí já era tarde para voltar atrás.
 Já me tornara vítima desse impasse.
 Invejo-te pois sabes o que faz.

 Se soubesse como tentei desistir
 talvez sequer seria-me tão atencioso.
 Porém como eu agiria de forma a me convir
 Se esquecer-me do que eu passei é tão penoso?

 Responda-me se possível, meu estimado amigo:
 Como se convive com tão grande tristeza?
 Enlouquece-me o que ela faz comigo.
 Suportá-la me parece uma proeza.'"


"Em poucas palavras ditas já vejo
 como lhe vem massacrando, seu íntimo.
 Acredite. Embora ainda não seja seu desejo
 seu gosto pela arte ainda se tornará legítimo.

 Até lá, sinto informar-lhe, mas nada posso fazer.
 Nada além de observar a sua escalada exaustiva.
 Supera essa necessidade que tens de prazer.
 É assim que, aqui, algum gozo se cultiva.

 Dou-lhe essas palavras como presente.
 Não me decepcione e cultive-as com zelo.
 Atente-se com empenho, e explore o que sente.
 E não existe no mundo quem, por ti, possa fazê-lo.

 Entenda isso desde já. Eu creio que virá a ser útil:
 Supere primeiro os medos que você tem carregado.
 E faça antes que te tornem o pensamento vil.
 Antes que tornem-se um fardo mais pesado.

 Ademais, cabe a ti descobrir o restante.
 Se sabes que não pode voltar, seja bem-vindo.
 Vai encontrar-se consigo mesmo bem logo, adiante.
 Agora não se demore mais. Aqui me despeço. Vamos indo."

domingo, julho 29, 2012

Dor e circo




Detrás de cada janela vejo um circo em pleno espetáculo. Mas, diferente de circos convencionais, o objetivo é entreter quem nele encena; jamais quem o assiste. E talvez seja o que o torne tão mais interessante de ser assistido. Fora isso, em tudo se assemelham. Comédias e tragédias, piruetas e quedas, números arriscados e duvidosos. Também não sei quanto aos demais, mas as tragédias são as que me causam maior admiração. Não pelo prazer sádico, mas pela capacidade de absorver-lhes as sôfregas experiências.

Por mais que o homem fuja à dor, essa sempre o persegue. Mas para aquele que é capaz de suportá-la, a esse pode ser entregue o deleite da sabedoria, que sempre acompanha essa detestável e desesperadora condição. Mas o que é a dor? Pode ser medida? Pode ser comparada? Posso dizer que a dor física supera a dor da alma, ou que essa supera a anterior? Fato é que, para quem a sofre, ela é sempre superior a qualquer outra.

Mas de volta aos espetáculos. Observe como boa parte desses traça uma eterna fuga ao sofrimento, e tudo o que lhe condiz. Acovardados pela incerteza ou motivados por prazeres mais simples, se rendem à simplória busca pelo entretenimento facilitado e seguro. Que felizes sejam, mas não há muito valor em observá-los. Exceto nas irônicas ocasiões onde, sorrateiramente, a dor lhes recai. Há ainda aqueles que, na busca pelo deleite maior, cedo ou tarde se esbarram com nossa detestada e inevitável protagonista. Mas, despreparados para o encontro, ou demasiado fracos, se destroem em pranto. Uma venerável demonstração da força que possui nossa personagem, a dor.

E finalmente, os mestres da tragédia. Homens que demonstram seu valor e virtuosismo, a cada provação a que são submetidos. A superação dos próprios limites é como uma característica inata a esses. E é a esses que me agrada a observar e absorver. Como um parasita e voyeur, nesse circo de horrores.

Por fim: não há dor que possa refrear o desejo copioso do homem austero.

sábado, março 31, 2012

Ruidoso Pensamento

Penso, como sempre pensei, ser o primeiro a pensar como penso. Mas fico tenso se descubro que o que penso já foi pensado por alguem. Se ao menos tivesse o bom-senso de saber que chegamos a um consenso, eu e quem comigo pensou, talvez fizesse mais intenso, o que penso, e que alguém também já pensou.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

Lampejos ao mar

Ouça pelo cais, como batem, os barcos; O rito sonoro pelo qual o mar saúda os navegantes. Sinta o mormaço queimar seu rosto; Desespero nublado à brisa marítima. Caos verbal na linha tênue entre noite e dia; Poucas horas revelam o que a vida inteira levou pra esconder. A lua, trêmula, sobre as águas; Percorre, incansável, sua tragetória; dia após dia. O primeiro raio de luz já anuncia o sol; As horas se consomem, umas sobre as outras. Enfim, é hora de deixa-lo, caro amigo. Muita luz e muita gente ofuscam suas belezas.

segunda-feira, novembro 07, 2011

Monocromático

Depois de toda essa filosofia
E toda ética, pregada às ovelhas
Por seus pastores verborrágicos:
.
Suspirando meu velho blues
eu sou só mais um cidadão;
Enquanto todos os outros
repetem o mesmo refrão
.
A vida é bela
em toda a sua feiura;
E do meio do lixo
exprime seu perfume e doçura.
.
A queda da cama
é só o primeiro passo;
E é preciso mais empenho
se o objetivo está além do espaço.
.
Mastigue as correntes
entre seus dentes de platina;
O sabor da liberdade
está além daquela esquina.
.
No movimento incompleto
de dois corpos que se arrastam;
Os grilhões são muito leves
pra que percebam, quem os usam.
.
Sinta o frio devastador
Dos corações em tempo de metrônomo
Dentro das salas climatizadas.
.
Ouça a sinfonia em si bemol
Na marcha fúnebre pelas ruas
Celebrando o início de outra era.
.
Observe o brilho monocromático
De uma liberdade abortada
Em mil cores de alta definição.

domingo, novembro 06, 2011

Atraso do Tempo

Tempos de glória

Tempos de dor.

Tempos de guerra

Tempos de amor.

.

Tempo seco

Tempo molhado.

Tempo frio

Tempo esquentado.

.

Tempo passado

E tempo futuro.

Tempos de luz

E tempo obscuro.

.

Tempo na hora

Na hora do tempo.

Tempo agora

À proa do vento.

.

É tempo de gente

Que aposta no azar.

Tempo de falência

No vil cambiar.

.

O tempo mecânico

Como marca o relógio;

E o tempo sensível

Como a espera e o ócio.

.

É o tempo à tempo;

No tempo do tempo.

.

Mas como se sairia o tempo contra o tempo?

Tornar-se-ia absoluto ou se perderia no próprio atraso?