quarta-feira, janeiro 16, 2013

Ciclo IV - O Visitante

"Seja bem vinda, alma nova!
 Trazes o semblante carregado.
 Vejo que algum male lhe estorva.
 Diga-me. Por que estás assustado?

 Mas não, não me responda ainda.
 Mil perdões, meu companheiro.
 Como, no ato de sua vinda,
 nem pareço cavalheiro...

 Sente-se, faça-nos o favor.
 Sente-se e ouça o que eu digo.
 Ouça meus cantos, de alegria e dor.
 Depois cante-me os seus, bravo amigo.

'Houve já um tempo, e isso, já há muito;
 Mas se recordo, juro, ainda o sinto.
 Era dentre os homens o mais justo
 e isso, até, sem muito custo.

 Com destreza, aprendi a arte:
 Observar e julgar tudo, à parte.
 Mas veja só: da arte surge meu male;
 De sorte que este só, a muitos equivale.

 Aos poucos, de tudo o mais eu me afastava.
 Das coisas da vida, e tudo o que amava.
 E isso, até, sem sequer me dar conta.
 É o preço de quem aqui se levanta.

 Passado algum tempo desse começo,
 me dei conta desse expressivo preço.
 Foi quando tomou-me tão grande angústia;
 Imperando em minha alma todo tipo de apatia.

 Vagava cabisbaixo, totalmente desolado.
 Trazia ainda menos gente ao meu lado.
 Carregava em mim tamanha tristeza
 que demorei a ver com clareza.

 Mas eis que, acredite ou não,
 esta epifania tomou-me o coração:
 E se também essa tristeza faz parte
 e com ela, fica completa a minha arte?

 Foi quando me dei conta do que eu sou.
 Mude a arte e algo em mim já mudou!
 É ela, afinal, quem me define.
 Talvez a isso você se atine.

 Doravante, sigo ainda mais firme.
 Não há mais na dor, o que me deprime.
 E aqui estou, agora, de coragem renovada.
 Preparado para encarar orgulhoso a jornada.'

 Eis aqui, amigo, a minha amarga história.
 Suponho que você já retomou o fôlego.
 Conte-me sobre sua vida inglória.
 Quero compreender-lhe o âmago."


"Agradeço-lhe a compreensão.
 Sinto que és uma alma confiável:
 Apresenta-se a mim como um bom irmão
 aqui, onde tudo me soa tão desagradável.

 Peço perdão por lhe copiar os modos;
 Mas eu não procederia diferente.
 Defronte a todos meus medos,
 exponho-lhe minha mente:

'Ainda não há muito tempo
 desde que eu fora contente.
 Mas hoje, se olho mais atento;
 Ah! Como eu invejo toda essa gente.

 Vestia sempre a máscara do sábio.
 E como gostava de interpretar.
 Disso, embora pareça dúbio,
 eu sempre estive a par.

 Tomado por autoconfiança
 ousei-me a ir além da imagem.
 E embora nesta não houvesse mudança,
 meu íntimo encheu-se de terrível vertigem.

 Se soubesse de antemão, talvez o evitasse;
 Mas aí já era tarde para voltar atrás.
 Já me tornara vítima desse impasse.
 Invejo-te pois sabes o que faz.

 Se soubesse como tentei desistir
 talvez sequer seria-me tão atencioso.
 Porém como eu agiria de forma a me convir
 Se esquecer-me do que eu passei é tão penoso?

 Responda-me se possível, meu estimado amigo:
 Como se convive com tão grande tristeza?
 Enlouquece-me o que ela faz comigo.
 Suportá-la me parece uma proeza.'"


"Em poucas palavras ditas já vejo
 como lhe vem massacrando, seu íntimo.
 Acredite. Embora ainda não seja seu desejo
 seu gosto pela arte ainda se tornará legítimo.

 Até lá, sinto informar-lhe, mas nada posso fazer.
 Nada além de observar a sua escalada exaustiva.
 Supera essa necessidade que tens de prazer.
 É assim que, aqui, algum gozo se cultiva.

 Dou-lhe essas palavras como presente.
 Não me decepcione e cultive-as com zelo.
 Atente-se com empenho, e explore o que sente.
 E não existe no mundo quem, por ti, possa fazê-lo.

 Entenda isso desde já. Eu creio que virá a ser útil:
 Supere primeiro os medos que você tem carregado.
 E faça antes que te tornem o pensamento vil.
 Antes que tornem-se um fardo mais pesado.

 Ademais, cabe a ti descobrir o restante.
 Se sabes que não pode voltar, seja bem-vindo.
 Vai encontrar-se consigo mesmo bem logo, adiante.
 Agora não se demore mais. Aqui me despeço. Vamos indo."

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